13 de dez. de 2006

A mulher necessária

( Crônica)

Eu estava de novo ali. No sofá. Em frente ao meu novo terapeuta.
Falei.

Ele ouviu, com que ouvidos, eu não sei, mas pude ver seus olhos, meio indisciplinados, como os de um espelho retorcendo imagens. Sua voz me falou em terapia que trabalha com energias, falei da menina que insiste em viver dentro de mim, de como ela é travessa, e o quanto dói ter que crescer. Ele se posicionou como todo acompanhante de meninas, observante e expectante. Nunca se sabe o que vem depois a partir da fala de uma mulher que se quer necessária. Sim, o que mais as mulheres procuram é se tornarem importantes nas vidas dos outros... sejam eles, os pais, os filhos, os namorados, os maridos, os professores, os terapeutas e até os cabeleireiros.
Não me permiti externar esse detalhe do meu pensamento durante a sessão, porque avaliei minhas lembranças de tornar-me o vazio na vida de alguém. Devo ter preenchido buracos e provavelmente abri outros tantos nas almas dos que convivi.

Ossos do ofício, pensei. Lembro do livro do Fernando Sabino, cujo título me emocionou "A falta que ela me faz", e que, ao lê-lo, descobri que a falta a que ele se referia era da empregada doméstica, daquela que o servia e o mantinha asseado, alimentado, bem cuidado. A ironia do texto induzia a pensar que era a saudade do grande amor de uma fêmea inesquecível, talvez o delírio vingativo de todas nós, uma fantasia fora de moda, ou um atributo narcísico a ser combatido. Vi então que há em mim, não sei nas outras, uma mulher necessária que me persegue as noites, que me comanda os dias, que me atrapalha sobremodo, quando minha incursão no mundo dito masculino, me incita a pensar e dividir com eles a autoria do que ouso refletir.

Fica sempre aquela sensação de que eles me olham como um ser extra-terrestre, coisa que eu tentarei de novo resolver na análise, em proposta diferenciada. Sou aquela que se porta e aparece tão feminina, mas , disso eu não escapei, o analista foi sábio e colocou assim, de cara, no primeiro encontro, tenho uma racionalidade despudorada, que faz com que eu conte das minhas emoções de modo a parecer que estou fora do enredo, sou personagem avaliado e descrito, como se meu olhar pudesse projetar-se fora do contexto.
Daí, realmente, que eu disse a ele, que isso me incomoda...eu queria mesmo era saber me descabelar de ciúme, o que nunca fiz, saber baixar o sarrafo nas que me roubaram os companheiros, descer o barraco nos momentos de excesso de lucidez, usar os palavrórios de baixo calão nas ocasiões explícitas, curar feridas com porres destrambelhados, sentar no colo de quem me amo sem vergonha de pagar mico, ou, aí seria a glória, provocar uma declaração de sentimento consentido, em pleno espaço aéreo, por um desses aviõezinhos de beira de praia, num domingo ensolarado.
Imaginei os dizeres na faixa esvoaçante: Você, Cidinha, é para mim, a fêmea mais necessária desse mundo... ( caio em mim, isso é loucura?...)

Depois de tudo isso, não me resta outra alternativa a não ser marcar muitas sessões de descarrego, digo, de psicanálise, para reorganizar as idéias e me preparar para a velhice.

by Maria Aparecida Torneros

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